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Grileiros criam nova Vicente Pires entre Brazlândia e Taguatinga

Até faixas com a oferta de lotes estão afixadas em árvores, na pista que liga Taguatinga a Ceilândia e até dentro dos espaços parcelados da colônia agrícola

As chácaras da Colônia Agrícola 26 de Setembro foram fracionadas em terrenos de vários tamanhos, onde há uma casa construída em cada: lotes usados para assentamento de famílias na década de 1990

Uma área pública usada para assentar 134 famílias na década de 1990 passa por parcelamento irregular e ameaça duas importantes unidades de conservação do Distrito Federal. As chácaras da Colônia Agrícola 26 de Setembro, entre Taguatinga e Brazlândia, têm sido negociadas, divididas em lotes e, aos poucos, se transformam em zona urbana. A ilegalidade ocorre desde que o local servia apenas como assentamento, mas se intensificou nos últimos três anos. O terreno é do tamanho de quase mil campos de futebol. Mais de 6 mil pessoas vivem ali, e a ocupação cresce tão rápido que ganhou o apelido de Vicente Pires 2. A identificação aparece em placa de igreja e na boca do povo.

Quando as famílias foram assentadas em 1996, cada chácara tinha tamanho que variava entre quatro e seis hectares. Realidade completamente diferente da vista atualmente no local. Primeiro, as propriedades foram subdivididas em frações de dois ou um hectare entre membros de uma mesma família, principalmente. Assim, as chácaras começaram a receber identificações, como 2A, 2B, 2C. Com o passar dos anos, grileiros entraram em ação no local e surgiram lotes ainda menores, com, em média, 400 metros quadrados, um processo parecido ao que ocorreu na antiga Colônia Agrícola Vicente Pires. Lá, cada área se transformou em um condomínio, onde hoje vivem quase 80 mil pessoas.

O Correio esteve na Colônia Agrícola 26 de Setembro na última terça-feira e flagrou o fracionamento ilegal das terras. A maioria dos terrenos está demarcada e tem uma casa simples construída. Os invasores usam materiais pré-moldados, que são mais baratos para o caso de ocorrerem derrubadas. Também são fáceis de serem montados, o que permite que imóveis sejam erguidos sem serem vistos pela fiscalização.

Faixas com a oferta de lotes estão afixadas em árvores, no acostamento da DF-001 (a pista que liga Taguatinga a Ceilândia) e até dentro dos espaços parcelados. A reportagem ligou para os telefones e fingiu interesse na compra de um terreno. No primeiro deles, atendeu um rapaz chamado Juliano. Ele contou que, há oito meses, comprou o lote de 400 metros quadrados no 26 de Setembro por R$ 45 mil. Na época, não sabia que o parcelamento era irregular e se arrependeu do negócio ao descobrir a verdade. “O cara disse que ia me passar tudo, ficou me enrolando, e, no fim, me deu só a cessão de direito de uso”, disse. Agora, ele tenta se livrar do problema e cobra R$ 37 mil. “Vou te falar para você não cair no mesmo golpe que eu. Como deu certo em Vicente Pires, achei que lá daria também.”

A segunda ligação foi atendida por um senhor identificado como Nilter. Com um forte sotaque goiano, ele contou que mora na chácara e está vendendo o terreno parcelado porque vai se mudar. Ele oferece dois lotes “comerciais”, por R$ 60 mil e R$ 20 mil, e quatro residenciais, por preços que variam entre R$ 18 mil e R$ 55 mil. “Os mais caros são maiores, têm 430 metros quadrados”, explicou. “Os demais têm 400 metros. A posição deles também varia. Alguns fazem esquina com a rua principal”, ressaltou. Questionado se a área era irregular, ele garantiu ter os documentos do cartório, mas, em seguida, confessou não ter a escritura, só a cessão de direito de uso. “Mas você pode construir, ninguém derruba, não. No nosso, não. Eu moro lá”, garantiu.

Liminares

O parcelamento mais visível fica às margens da DF-001, em uma área invadida destinada a um cemitério. Mas moradores denunciam que muitos lotes foram vendidos dentro das chácaras e ainda não foram demarcados por causa da fiscalização. “Moro aqui há 15 anos e não tinha nenhuma casa até uns três anos atrás. Isso aqui é terra de ninguém. Policiais, delegados, juízes e até servidores do GDF têm terrenos aqui. As chácaras estão todas vendidas”, contou uma mulher, que não quis se identificar. O Correio encontrou um homem que comprou um lote na região por R$ 25 mil há um ano, mas ainda não construiu nada nele. “Se construir agora, a fiscalização derruba. Já me oferecem R$ 40 mil no lote, mas vou esperar mais para frente. Não moro de aluguel mesmo”, afirmou.

A terra pertence à Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap). A vigilância é tarefa do Comitê de Combate ao Uso Irregular do Solo, formado por 15 órgãos do GDF e coordenado pela Secretaria de Ordem Pública e Social (Seops). Por meio de nota, a Seops informou que o 26 de Setembro é uma das áreas mais fiscalizadas pelo GDF. No ano passado, a colônia agrícola apareceu na quarta posição na lista de locais mais visitados, ficando atrás somente de Ceilândia, de Águas Claras e do Gama. “Neste ano, o comitê realizou 13 operações no local e erradicou 16 construções irregulares. Aproximadamente, 1,2 mil metros lineares de cerca foram erradicados no período”, acrescenta a nota.

De acordo com a Seops, a fiscalização do GDF prioriza a identificação dos responsáveis pela venda de parcelamentos ilegais na área e a contenção da expansão do setor a partir da retirada das edificações mais recentes. “Há ali responsáveis por obras que recorreram de sanções administrativas, como as notificações, e outros que entraram com liminares na Justiça. Alguns casos demandam a atuação das equipes sociais do GDF, pois ali também existem pessoas em situação de risco socioeconômico. A retirada compulsória, nesses casos, ocorre em último caso”, conclui a Seops.

Memória

Mapa da grilagem

O Assentamento 26 de Setembro é uma das seis áreas críticas da grilagem no Distrito Federal. Em novembro do ano passado, o Correio mostrou que o local era alvo frequente de criminosos, assim como o Núcleo Rural Alexandre Gusmão e o Condomínio Sol Nascente, ambos em Ceilândia; a Ponte Alta Norte, no Gama; o Morro da Cruz, em São Sebastião; e o Altiplano Leste, no Lago Sul. O mapa da grilagem foi feito pela Delegacia Especial do Meio Ambiente com base nas últimas ocorrências registradas.

Em 25 de janeiro, a Secretaria da Ordem Pública e Social (Seops) prendeu duas pessoas no local que tentavam vender lotes capazes de render R$ 10 milhões. O terreno de 24 hectares seria parcelado em 235 lotes comerciais e residenciais de, em média, 400 metros quadrados. Contava com postes de iluminação e ruas abertas. Segundo os próprios grileiros, 11 tinham sido vendidos. Os lotes eram ofertados por valores entre R$ 38 mil e R$ 42 mil.
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